segunda-feira, 10 de junho de 2013

Só hoje.

   Hoje não estou bem. Não sei com quem falar, não sei com quem gritar. Não sei onde me esconder para chorar. Não percebo o porquê de eu estar assim hoje. Não consigo comer e não me apetece abrir os olhos. Estou dormente mas não flutuo. Estou dormente e quero flutuar para poder afirmar que não estou aqui, que não estou presente. Quero flutuar para não existir hoje. Se ao menos um corte no peito deixasse sair a pressão que sinto cá dentro... Não alivia, nada alivia. 
   Vou fazendo teatro: vou abrindo os olhos e rasgando o sorriso sem vontade alguma. Pode ser que assim consiga que este faz-de-conta me engane a mim própria. Quero dormir. Quero dormir no escuro. Quero dormir no escuro por tempo indefinido e depois acordar leve. E se acordar tão leve que consiga voar, melhor. Pois voarei e ir-me-hei embora daqui.

terça-feira, 4 de junho de 2013

...

    Mentes mais uma vez na minha cara como se eu não te conhecesse; como se não conhecesse a tua linguagem corporal; como se não conhecesse o teu corpo melhor do que o meu. Esse corpo que me aqueceu em tantas noites quentes de Verão. Sim, noites quentes de Verão. O que tu me aquecias era a alma, se é assim que isso se chama. Repara que disse "isso" e não "isto", pois "isso" que era meu ficou contigo, se é que ainda existes; ultimamente olho para ti e já não te vejo. 

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Branca

    Ela voltou a passar ao teu lado. Tu apenas inalaste a essência de baunilha que é emanada da sua camisola de lã. Lã branca como a sua pele, como o seu cabelo, como o seu sorriso. Estendeste a mão, mas ela já passou - foi tarde de mais. Porque é que não a chamaste? Porque é que não disseste o seu nome? Não é que não a conheças - conhece-la melhor do que a qualquer pessoa - mas na verdade não sabes o seu nome; nunca o ouviste, nunca o leste. 
    Ela é branca e o nome dela é branco também. É branco porque, desde que tu és tu, não consegues ver, não consegues ouvir, não consegues falar; mas consegues sentir! E o que tu sentes, o que tu sentes nela, tu amas. Tu amas a rapariga branca da camisola de lã que passou ao teu lado; e ela ama-te a ti também. 

domingo, 2 de junho de 2013

Pão num feriado

    Observa-lo através do espelho enquanto te penteias. A luz que entra pela janela do tecto de madeira é branca; está um bom dia de sol, como era previsto. Combinaram ir dar um passeio de bicicleta pelo parque da cidade para aproveitar bem o feriado. Ele está sentado à mesa, vestido com a camisola que lhe deste a semana passada e com o cabelo ainda por ajeitar. Come as fatias de pão torrado que fez para si e também as que fez para ti. Não faz mal; há ali mais pão.

sábado, 1 de junho de 2013

Gelo

    Gelo.É o que sinto no teu toque. Esse gelo que me agarra a cara com força até deixar marcas. depois largas e apagas a luz. É já no escuro que te ris. Primeiro um sorriso envergonhado e depois uma grande gargalhada, seguida de um suspiro. Compões a almofada e ajustas nela a posição da tua cabeça. Estás deitado e eu estou ao teu lado, bem junto a ti. Vamos dormir. Pode ser que amanhã consiga fazer com que me ames.

sexta-feira, 31 de maio de 2013

Iogurte Magro

    A caneca está me cima do livro que deixaste ontem na secretária. Não acabaste de beber o café. Voltas a tapar a cara com os lençóis brancos de linho A luz está a incomodar-te esta manhã. 
    Está na hora da corrida matinal, não te podes atrasar. Respiras fundo e espreguiças-te com a pouca energia que tens. Levantas.te, coças a cabeça e diriges-te ao espelho. Tiras o pijama e agarras na fita métrica. Medes a tua cintura. Quarenta e nove centímetros que gostavas de ver diminuídos. Atiras a fita para o chão. Já não usas soutien e a menstruação há muito que não te faz uma visita. Vestes umas calças desportivas e uma t-shirt bem largas. Vais até à cozinha, tiras o iogurte magro de cereais e sais.
    Este será mais um dia do teu tão poderoso controlo.

quinta-feira, 30 de maio de 2013

Porta

   A porta de luz que te traz ao escuro; o escuro que te faz ver. Porque é que a fechas? Porque é que a fechas? A porta não é senão uma abertura na parede. Tens de a fechar para que essa parede possa, então, ser o que é. Para que tu possas ser o que és. 
   Tens mesmo de fugir dessa luz que te apaga. Tens mesmo de fugir dessa luz que te apaga?